Mudança de planos

Vinicius Dantas
5 min readFeb 19, 2022

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— Alô?

— Alô.

— Estou falando com o senhor Ulisses Santos?

— Sim, sou eu.

— Boa noite, Ulisses. Eu sou a Jéssica, da Oi. Você poderia me informar qual recurso do seu plano você mais usa?

— Como é?

— Seu plano de celular, senhor. Chamadas, internet, SMS: qual o senhor mais utiliza?

— Bem… internet, claro.

— Claro não, senhor, aqui é da Oi.

— Quis dizer que uso mais internet.

— Então, senhor Ulisses, nós da Oi estamos oferecendo um plano com muito mais vantagens, onde você vai poder ter até 24GB de internet móvel, com mensagens de WhatsApp e Messenger ilimi…

— Não tenho interesse.

— Mas o senhor atualmente tem apenas 8GB de internet móvel.

— É o suficiente. Não sou tão móvel quanto você pensa. Na verdade, sou muito mais imóvel do que deveria. Chama-se sedentarismo, ainda vou pagar por isso.

— O senhor nem ouviu o valor do plano.

— Quanto que é?

— A partir de 29 reais. E com SMS ilimitado, além de…

— Não, não. Pago 25 e já está ótimo.

— Acho que o senhor não está reconhecendo as vantagens do nosso plano. Sabe quando você está na universidade e precisa assistir uma videoaula para fingir que leu o texto mas não encontra uma rede de wi-fi que preste? Ou quando você viaja para João Pessoa e passa o dia inteiro dependendo de celular, usando google street view, backup das fotos, um vídeo aqui, outro acolá, para não morrer de tédio? Internet móvel nunca é demais.

— Nossa, que específico…

— Eu sou uma ótima vendedora, senhor Ulisses. E temos todos os seus dados, claro.

— Posso matutar sobre isso e ligar pra esse mesmo número depois?

— Nananinanão. A promoção é válida até hoje.

— Mas você me ligou ontem, eu vi a chamada perdida.

— E você acha o quê? Que vamos ficar correndo atrás de você e ainda por cima esperar de rabinho entre as pernas enquanto você se decide?

— Olha… não. Não tenho interesse no plano.

— Mas por que não?

— Ah… bem… sei lá. Não quero, não tenho interesse no momento.

— O que te faz rejeitar tanto a mudança, Ulisses?

— Não sei. Estou ocupado agora. Vou desligar. Boa noite.

— Não, Ulisses! Um momento! Espere!

— O quê?

— Você não acha que essa é uma oportunidade para conversar um pouco melhor sobre isso tudo?

— …

— Vou repetir a pergunta: o que te faz rejeitar tanto a mudança, Ulisses?

— Sei lá… eu acho que as coisas estão bem como são.

— Mas nem tudo “é”. Muita coisa na nossa vida só “está”. Você acha que a sua vida é toda assim, que nem seu plano de celular? Você não mudaria por nada?

— Não, acho que não. Tem muita coisa que eu mudaria. Sabe… eu ando muito frustrado profissionalmente.

— Pois é. Sabia que, durante seu expediente, quase todas as coisas que você tweeta são consideradas tristes pelo algoritmo? Terça feira geralmente você passa o dia todo reclamando de política. Já na sexta costuma ser algo como “ainda há esperança!”.

— Hum, olha só.

— Mas vamos voltar para a questão do seu plano. Se você gosta tanto dele, me diga, como foi que você selecionou ele mesmo?

— Na verdade, não fui eu. Na época eu ainda não trabalhava. Meu pai escolheu o plano para mim e desde então não mudei.

— Ele faz muitas escolhas na sua vida?

— Não mais! Eu escolhi meu curso, eu escolhi meu emprego.

— Então foi você quem decidiu ser jornalista?

— Sim, fui eu que decidi. Eu estava no ensino médio, e tinha essa menina que eu gostava muito. Ela dizia que seu sonho era virar a apresentadora do JPB. Sonho engraçado, esse, mas eu acreditei. E quis ir com ela. Eu passei pra jornalismo, ela me disse que não passou. Mentira! Meses depois descobri que ela estava no cursinho pré-vestibular para medicina.

— Você disse que foi quem decidiu, mas parece que não foi bem um interesse seu, esse curso…

— Foi sim! Eu era escritor. Ainda sou, na verdade. Achava que ia mudar o mundo com reportagens que denunciassem os males do capitalismo e a desigualdade no Brasil.

— E então conseguiu emprego no Portal Direita Conservadora Digital?

— Ok, não era o que eu queria. Mas paga as contas.

— Sim. Na vida nada sai exatamente como a gente queria. Mas a gente pode escolher, Ulisses.

— É… É que é tão difícil, sabe?

— ….

— Desculpe. Desculpe, estou chorando.

— Tudo bem. Este espaço é seguro.

— Eu não aguento mais. Meu chefe me obriga a criar fake news todo santo dia… não aguento mais fazer montagens de políticos de esquerda no photoshop. Semana passada me deram uma foto do Guilherme Boulos comendo canjica de milho e mandaram eu editar como se ele estivesse comendo cocô. Se você ver a notícia de que Guilherme Boulos come cocô, fique sabendo que não é verdade, ok? Fui eu, eu que fiz a foto… Como fui parar nesse emprego, meu Deus?

— Existem outros empregos na sua área.

— É verdade.

— Então por que você não muda?

— Eu acho que… eu tenho dificuldade de tomar responsabilidade pelas minhas próprias decisões.

— Essa é uma descoberta importante.

— Mas e então, o que eu faço?

— Ulisses, quem que está sofrendo com as suas decisões?

— … eu.

— Você já é responsável por elas. Sempre foi. Sempre será. Só existe saída por um caminho.

— Mudando?

— Decidindo. Bem, decidir você já decide. Mas é decidindo que você vai deixar de se isolar nessa vida que você finge não ser obra sua.

— É… você tem razão. Obrigado.

— Disponha. A mudança está nas pequenas coisas, Ulisses…

— Acho que vou me demitir.

— Então, no novo plano Oi pré pago, você pode decidir ter mais do que o dobro de internet móvel em relação ao seu plano atual. Se você escolher aceitar essa oferta, ainda podemos adicionar ao seu plano o uso liberado de Instagram para mensagens. Sem contar os minutos ilimitados de ligação para qualquer operadora.

— Por quanto mesmo?

— Apenas 29 reais.

— Nah. Vou economizar meus quatro reais.

— Que pão duro….

— Ei, achava que esse era um espaço seguro!

— Desculpe. É sexta feira, e eu tenho bebido durante o expediente de trabalho.

— Sério? Eu também. Até semana que vem.

— Até. E pense mais sobre essa sua dificuldade em assumir suas escolhas.

— Ok. Tchau.

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Vinicius Dantas

Isso aqui começou como um lugar para escrever comédia, mas sabe-se lá o que vai virar. Piadas, crônicas, histórias sobre pessoas que existem na minha cabeça.