Mudança de planos
— Alô?
— Alô.
— Estou falando com o senhor Ulisses Santos?
— Sim, sou eu.
— Boa noite, Ulisses. Eu sou a Jéssica, da Oi. Você poderia me informar qual recurso do seu plano você mais usa?
— Como é?
— Seu plano de celular, senhor. Chamadas, internet, SMS: qual o senhor mais utiliza?
— Bem… internet, claro.
— Claro não, senhor, aqui é da Oi.
— Quis dizer que uso mais internet.
— Então, senhor Ulisses, nós da Oi estamos oferecendo um plano com muito mais vantagens, onde você vai poder ter até 24GB de internet móvel, com mensagens de WhatsApp e Messenger ilimi…
— Não tenho interesse.
— Mas o senhor atualmente tem apenas 8GB de internet móvel.
— É o suficiente. Não sou tão móvel quanto você pensa. Na verdade, sou muito mais imóvel do que deveria. Chama-se sedentarismo, ainda vou pagar por isso.
— O senhor nem ouviu o valor do plano.
— Quanto que é?
— A partir de 29 reais. E com SMS ilimitado, além de…
— Não, não. Pago 25 e já está ótimo.
— Acho que o senhor não está reconhecendo as vantagens do nosso plano. Sabe quando você está na universidade e precisa assistir uma videoaula para fingir que leu o texto mas não encontra uma rede de wi-fi que preste? Ou quando você viaja para João Pessoa e passa o dia inteiro dependendo de celular, usando google street view, backup das fotos, um vídeo aqui, outro acolá, para não morrer de tédio? Internet móvel nunca é demais.
— Nossa, que específico…
— Eu sou uma ótima vendedora, senhor Ulisses. E temos todos os seus dados, claro.
— Posso matutar sobre isso e ligar pra esse mesmo número depois?
— Nananinanão. A promoção é válida até hoje.
— Mas você me ligou ontem, eu vi a chamada perdida.
— E você acha o quê? Que vamos ficar correndo atrás de você e ainda por cima esperar de rabinho entre as pernas enquanto você se decide?
— Olha… não. Não tenho interesse no plano.
— Mas por que não?
— Ah… bem… sei lá. Não quero, não tenho interesse no momento.
— O que te faz rejeitar tanto a mudança, Ulisses?
— Não sei. Estou ocupado agora. Vou desligar. Boa noite.
— Não, Ulisses! Um momento! Espere!
— O quê?
— Você não acha que essa é uma oportunidade para conversar um pouco melhor sobre isso tudo?
— …
— Vou repetir a pergunta: o que te faz rejeitar tanto a mudança, Ulisses?
— Sei lá… eu acho que as coisas estão bem como são.
— Mas nem tudo “é”. Muita coisa na nossa vida só “está”. Você acha que a sua vida é toda assim, que nem seu plano de celular? Você não mudaria por nada?
— Não, acho que não. Tem muita coisa que eu mudaria. Sabe… eu ando muito frustrado profissionalmente.
— Pois é. Sabia que, durante seu expediente, quase todas as coisas que você tweeta são consideradas tristes pelo algoritmo? Terça feira geralmente você passa o dia todo reclamando de política. Já na sexta costuma ser algo como “ainda há esperança!”.
— Hum, olha só.
— Mas vamos voltar para a questão do seu plano. Se você gosta tanto dele, me diga, como foi que você selecionou ele mesmo?
— Na verdade, não fui eu. Na época eu ainda não trabalhava. Meu pai escolheu o plano para mim e desde então não mudei.
— Ele faz muitas escolhas na sua vida?
— Não mais! Eu escolhi meu curso, eu escolhi meu emprego.
— Então foi você quem decidiu ser jornalista?
— Sim, fui eu que decidi. Eu estava no ensino médio, e tinha essa menina que eu gostava muito. Ela dizia que seu sonho era virar a apresentadora do JPB. Sonho engraçado, esse, mas eu acreditei. E quis ir com ela. Eu passei pra jornalismo, ela me disse que não passou. Mentira! Meses depois descobri que ela estava no cursinho pré-vestibular para medicina.
— Você disse que foi quem decidiu, mas parece que não foi bem um interesse seu, esse curso…
— Foi sim! Eu era escritor. Ainda sou, na verdade. Achava que ia mudar o mundo com reportagens que denunciassem os males do capitalismo e a desigualdade no Brasil.
— E então conseguiu emprego no Portal Direita Conservadora Digital?
— Ok, não era o que eu queria. Mas paga as contas.
— Sim. Na vida nada sai exatamente como a gente queria. Mas a gente pode escolher, Ulisses.
— É… É que é tão difícil, sabe?
— ….
— Desculpe. Desculpe, estou chorando.
— Tudo bem. Este espaço é seguro.
— Eu não aguento mais. Meu chefe me obriga a criar fake news todo santo dia… não aguento mais fazer montagens de políticos de esquerda no photoshop. Semana passada me deram uma foto do Guilherme Boulos comendo canjica de milho e mandaram eu editar como se ele estivesse comendo cocô. Se você ver a notícia de que Guilherme Boulos come cocô, fique sabendo que não é verdade, ok? Fui eu, eu que fiz a foto… Como fui parar nesse emprego, meu Deus?
— Existem outros empregos na sua área.
— É verdade.
— Então por que você não muda?
— Eu acho que… eu tenho dificuldade de tomar responsabilidade pelas minhas próprias decisões.
— Essa é uma descoberta importante.
— Mas e então, o que eu faço?
— Ulisses, quem que está sofrendo com as suas decisões?
— … eu.
— Você já é responsável por elas. Sempre foi. Sempre será. Só existe saída por um caminho.
— Mudando?
— Decidindo. Bem, decidir você já decide. Mas é decidindo que você vai deixar de se isolar nessa vida que você finge não ser obra sua.
— É… você tem razão. Obrigado.
— Disponha. A mudança está nas pequenas coisas, Ulisses…
— Acho que vou me demitir.
— Então, no novo plano Oi pré pago, você pode decidir ter mais do que o dobro de internet móvel em relação ao seu plano atual. Se você escolher aceitar essa oferta, ainda podemos adicionar ao seu plano o uso liberado de Instagram para mensagens. Sem contar os minutos ilimitados de ligação para qualquer operadora.
— Por quanto mesmo?
— Apenas 29 reais.
— Nah. Vou economizar meus quatro reais.
— Que pão duro….
— Ei, achava que esse era um espaço seguro!
— Desculpe. É sexta feira, e eu tenho bebido durante o expediente de trabalho.
— Sério? Eu também. Até semana que vem.
— Até. E pense mais sobre essa sua dificuldade em assumir suas escolhas.
— Ok. Tchau.