Sobre a escrita

Vinicius Dantas
3 min readJan 10, 2023

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Nesta última vez que escrevi um texto para mandar para minha analista, falei que a vantagem do texto sobre a fala espontânea é que aqui tenho controle sobre o que mostro. A capacidade de pensar, decidir o que dizer, editar, fazer um sintoma indesejado desaparecer, seria o que acabei por chamar de controle. Mas cada vez que relia o rascunho inicial do texto, percebia o tamanho do descontrole. Escrever é só mais uma forma de estar descontrolado, como quem tenta regular o tom de voz mas a emoção não permite. Às vezes falo algo lentamente para evitar um ato falho quando sei que o tema é sensível.

É engraçado como, sendo um autor meticuloso, gasto tempo pensando na importância de uma frase, na palavra certa. Redigimos, revisamos, revisamos novamente, publicamos e, se brincar, editamos o texto já publicado. Enquanto isso, o leitor passa os olhos pelas palavras sabe-se lá como. Talvez escrever exija entender isso: o leitor provavelmente está pouco se lixando para aquele detalhe bobo. Talvez os primeiros rascunhos sejam os mais emocionantes, o resto é pensar demais. Quem sabe o melhor jeito de se ler seja meio que correndo, vendo que imagens aparecem.

Isso me lembra que nunca fui muito bem com poesia. Lendo rápido, não entendo nada. As palavras se embaralham, na verdade. Quanto mais confusas as coisas são, mais tempo levo, menos acabo entendendo. Sou daqueles que pensam demais, isso não há dúvida. Minha caligrafia é feia, na escrita e na leitura. Minha compreensão tem ranhuras, garranchos, dúvidas. Sou um escritor forjado nas dificuldades de escrever bonito com lápis e de ler poemas, e ponto final. Na verdade, minha analista diz que essa história de ponto final é invenção minha.

Cabeça dura. Vem na família. Não ajuda a carreira acadêmica. Minhas inspirações atuais? Karl Marx, Milton Santos, Raquel Rolnik. Belo para escrever um artigo, mas estou no negócio dos contos agora. Acabarei fazendo algo com introdução, desenvolvimento e conclusão sem ninguém dizer que é preciso. Buscando clareza quando a ambiguidade faz tanto sucesso. Esse vício em querer concluir os textos me mata, pois sou o tipo de pessoa que pena para encontrar uma resposta. Escrever sobre quem eu sou me parece péssimo: sempre que tento fazer esses retratos de si que vejo os outros criando acho que o resultado final não parece nem um pouco. O melhor retrato de mim é um duplo sentido, uma história com final em aberto. Nunca gostei muito dos adjetivos, acabei virando fã dos advérbios. Vinicius não “é” nada, mas faz as coisas como se fosse.

Fazem sucesso, para muitos e para mim também, os escritores perturbados, adoecidos, meio loucos. Mas até agora sou patologicamente saudável. Ainda não procurei o suficiente para encontrar um diagnóstico, e nem quero. Não sou dos que escrevem por um desejo irrefreável, nem sinto como estivesse descarregando sentimentos no papel. Escrevo porque é bom; sinto como se estivesse montando um quebra cabeças, mergulhando no fundo do mar ou nadando de braçada (quando consigo escrever rápido, sem ficar parando tanto para pensar). Essa sobriedade talvez tire um pouco do charme, mas onde falta a gente inventa. Francamente, acho que todo escritor é um mentiroso. É preciso mentir um pouco, especialmente para si mesmo, para temperar a vida. Porque a vida é desencantada, e o escritor nos convence do contrário.

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Vinicius Dantas

Isso aqui começou como um lugar para escrever comédia, mas sabe-se lá o que vai virar. Piadas, crônicas, histórias sobre pessoas que existem na minha cabeça.